publicado na Folha de S.Paulo em 26/11/2019. https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/11/extincao-do-plano-plurianual-e-retrocesso.shtml
O
Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional, no último dia 5 de novembro,
três Propostas de Emenda à Constituição (PECs), com medidas ousadas para
transformação do Estado e ajuste das contas públicas. A PEC nº 186 trata de
medidas permanentes e emergenciais de controle do crescimento das despesas
obrigatórias e de reequilíbrio fiscal, ao passo que a PEC nº 187 dispõe sobre a
extinção de fundos públicos e de regras mais rígidas para sua criação. Já a PEC
nº 188 propõe um novo modelo fiscal para todos os entes da Federação, batizada
de PEC do Pacto Federativo. Esse conjunto de propostas é chamado de Plano Mais
Brasil.
Curiosamente,
na contramão da promoção da maior eficiência dos gastos e da qualificação da
gestão pública, a PEC do Pacto Federativo incluiu proposta para extinguir o
principal instrumento de planejamento e gestão estratégica na administração
pública, o Plano Plurianual (PPA). O
mais intrigante é que não há uma única justificativa para essa proposta nos
documentos encaminhados ao Congresso Nacional.
O
PPA é uma lei que deve estabelecer as diretrizes, objetivos e metas para as
despesas da administração pública para um período de 4 anos, desempenhando um
papel central de organização da ação do Estado.
Com
o Plano Plurianual, o planejamento passou a ser uma obrigação, e não uma opção
do governante, estabelecendo uma ligação entre objetivos de Estado, de médio e
longo prazos, e a autorização de despesas, por meio das leis orçamentárias.
Nesse sentido, O PPA é o principal fiador para a implementação de uma gestão
por resultados no setor público.
A
importância do PPA ultrapassa o seu sentido econômico, pois consiste em um
importante instrumento de defesa da democracia. Ao condicionar as decisões
referentes a despesas públicas a um planejamento prévio, o PPA estabelece
limites aos detentores do poder político.
Vale
ressaltar que foi por meio do PPA 2000-2003 que a atuação governamental passou
a ser organizada em função de problemas e/ou demandas identificadas na
sociedade, proporcionando a integração entre plano, orçamento e gestão. Até
1999, as ações eram organizadas simplesmente em função de atribuições
institucionais, ou seja, não era possível identificar sinergias ou
sobreposições entre os esforços de diferentes ministérios.
O
fortalecimento do PPA na primeira metade dos anos 2000 impulsionou a criação de
uma série de institucionalidades voltadas à profissionalização da administração
e qualificação do gasto público.
O
auge deste movimento se deu em 2005, quando foi criada a Comissão de Monitoramento
e Avaliação (CMA), responsável por avaliar todo investimento de grande vulto (à
época, superior a R$ 10,5 milhões) antes de sua inclusão na Proposta de Lei
Orçamentária (PLOA). O trabalho da CMA, com seus critérios técnicos para
avaliação de projetos e cronograma apertado para a inclusão na PLOA, provocou
uma reação imediata da classe política.
Como
resposta a essa pressão, a Presidência da República criou, no início de 2007, o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), excepcionalizando todos os seus
projetos de avaliação pela CMA. Com isso, desmoralizou os esforços na
qualificação do investimento público e os trabalhos de preparação do PPA
2008-2011, que aconteciam em paralelo à gestão do PAC.
A
desvalorização do Plano Plurianual seguiu no PPA 2012-2015, que abandonou o
modelo de integração entre plano e orçamento e colaborou para a progressiva
deterioração do suporte técnico e das institucionalidades ligadas à gestão do
plano. O plano vigente, PPA 2016-2019, seguiu o modelo anterior, e os processos
ligados à sua gestão foram praticamente abandonados.
Assim,
a proposta de extinção do PPA contida no Plano Mais Brasil parece selar a
vitória dos interesses políticos de curto prazo sobre a profissionalização da
administração e qualificação dos gastos públicos, em uma curiosa harmonia entre
os Governos Lula/Dilma e Bolsonaro. Que os nossos parlamentares tenham o
bom senso de descartar esse retrocesso.