quarta-feira, 20 de julho de 2016

Planejamento do governo pode piorar


Artigo publicado no Estadão de 20 de julho de 2016.

Foi aprovado no Senado e encaminhado para a Câmara dos Deputados um Projeto de Lei
Complementar que estabelece normas gerais sobre plano, orçamento, controle e contabilidade
pública, a fim de regulamentar o artigo 165 da Constituição Federal, que trata do Plano Plurianual,
da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual. De autoria do senador Tasso
Jereissati, teve seu conteúdo substancialmente alterado pelo substitutivo n.º 3 da Comissão de
Assuntos Econômicos, de autoria do senador Ricardo Ferraço. Esse projeto chegou à Câmara dos
Deputados no dia 28 de junho (PLP 295/2016) e deve tramitar em regime de prioridade.

Meritório em sua intenção, na sua redação atual o projeto tende a cristalizar inconstitucionalidades e
equívocos cometidos nos últimos anos, especialmente com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, e com o novo modelo de Plano Plurianual, a partir de 2012.

Com relação ao PAC, o maior equívoco foi sepultar a avaliação prévia dos projetos de investimento, que tinha sido implementada em 2005 e que condicionava a previsão de recursos orçamentários a um
parecer positivo de uma Comissão de Monitoramento e Avaliação, composta por membros do
Ministério do Planejamento, da Casa Civil da Presidência da República e do Ministério da Fazenda.
Para “acelerar” os investimentos e atender a demandas político-eleitorais, os projetos do PAC foram
dispensados de avaliação prévia e, como a história pode testemunhar, o desempenho foi pífio.

No projeto original do senador Tasso Jereissati estava prevista a implementação de uma Central de
Projetos, uma espécie de Comissão de Monitoramento e Avaliação nos moldes do que existiu antes do lançamento do PAC, agora protegida pela institucionalidade de Lei Complementar, que exige maioria absoluta dos parlamentares para aprovação ou modificação. O substitutivo aprovado no Senado excluiu a previsão da Central de Projetos, resumindo-se a atribuir ao Poder Executivo federal competência para definir metodologias, normas e procedimentos para orientar uma pré-avaliação dos investimentos. Esse retrocesso volta a jogar a decisão sobre os investimentos públicos ao puro impulso político, que, dado ao frenético tempo eleitoral no Brasil, não tende a reservar qualquer espaço para análises técnicas, que demandam maior maturação.

Com relação ao novo modelo de Plano Plurianual, inaugurado com o PPA 2012-2015, o governo federal deixou de se organizar para a resolução dos problemas que obstaculizam o desenvolvimento para se limitar à apresentação de uma lista de intenções, não necessariamente articuladas, de entrega de bens e serviços. Nesse particular, contraria frontalmente a Constituição Federal, que em vários dispositivos estabelece que a administração pública deve se pautar por uma gestão por resultados. Nesse sentido, o PLP 295/2016 pode cristalizar esse retrocesso ao adotar entre seus dispositivos conceitos do atual modelo que contrariam o espírito da Constituição.

Para completar o quadro preocupante, a principal proposta do governo Temer, a do teto fiscal, prevê a estabilização do gasto público apenas com a correção inflacionária, e o descumprimento da meta deve ser absorvido, em grande parte, pelo congelamento das remunerações dos servidores públicos. Há mérito no estabelecimento de um teto para a despesa pública, contudo, há sérios obstáculos a serem considerados. Um modelo de plano que não estabelece compromissos com resultados, a falta de uma institucionalidade para qualificação dos investimentos públicos e um corpo de servidores que assumem como maior preocupação a não realização de despesas tendem a produzir um quadro de paralisia e ineficiência.

Ainda há tempo de organizar institucionalidades para apoiar o sucesso desejado, com o estabelecimento da emenda constitucional do teto fiscal, mas, para isso, os deputados federais e a sociedade devem dedicar a atenção necessária ao PLP 295/2016. E o governo não pode e não deve se omitir.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Críticas ao PPA apresentadas em artigo são corroboradas pelo TCU

O Tribunal de Contas da União publicou o acórdão nº 948/2016, resultado de levantamento realizado pela Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) com o objetivo de comparar boas práticas orçamentárias estabelecidas por instituições internacionais com aquelas adotadas pela Administração Pública Federal no Brasil.
Dentre os pontos destacados, o TCU aponta a fragilidade da coordenação na condução das políticas públicas, apontando, dentre outros pontos, argumentos apresentados no artigo "Comentários sobre o PPA 2012-2015: gestão por resultados ou painel de políticas?", apresentado no Congresso Consad em 2013 e publicado posteriormente pela Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento.


1.                                Nesse ponto, convém transcrever trecho extraído do trabalho intitulado Comentários sobre o PPA 2012-2015: Gestão por resultados ou Painel de Políticas?, de autoria de Luiz Fernando Arantes Paulo (Brasília, 2013, p. 17):
‘A ideia de implementação do plano parece ser de que os atores promovam, espontaneamente, articulações que viabilizem a realização das metas. É uma concepção, na melhor das hipóteses, ingênua, que ignora a dinâmica de departamentalização e a tendência de inércia na administração pública. Por mais, vimos que o modelo de gestão do PPA não se preocupou em atribuir responsabilidades pelas metas governamentais, o que dificulta a identificação dos atores e a coordenação de esforços. Vale afirmar que a institucionalização dos arranjos de gestão atende a princípios constitucionais da administração pública, previstos no art. 37 da Carta Magna, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Dito isto, o fato do Ministério do Planejamento não ter estabelecido um modelo de gestão, e mais, ter desarticulado o até então existente [Unidades de Monitoramento e Avaliação (UMA), os gerentes de programa e os coordenadores de ação], se apresenta mais como um obstáculo à articulação de meios para a implementação de políticas do que uma alternativa de solução.’ 



segunda-feira, 28 de março de 2016

Não vai ter golpe: uma visão técnico-jurídica sobre a infração à lei orçamentária

O presidente da Câmara recebeu o pedido de impeachment por reconhecer justa causa e indícios de autoria no pedido que aponta que a Presidente da República teria cometido crime de responsabilidade, especialmente por afronta à lei orçamentária.
De fato, a Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 85, que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra a lei orçamentária (inciso VI), esclarecendo ainda que esses crimes devem ser definidos em lei especial (§ único).
Essa lei especial prevista na Constituição trata-se da Lei nº 1.079/1950, que especifica os crimes de responsabilidade e estabelece que tais crimes, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo (arts. 1º e 2º). Em seu art. 10, essa lei dispõe que são crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária, dentre outras coisas, infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária (item 4) e ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal (item 6).
É importante notar que o controle sobre a abertura de crédito suplementar é matéria que mereceu atenção do legislador constituinte, que fez constar no art. 167 a vedação a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem a indicação dos recursos correspondentes (inciso V).
A esse passo, urge reconhecer que o nosso arcabouço constitucional e normativo atribuiu considerável relevância à lei orçamentária e preocupou-se, dentro deste tema, em restringir a possibilidade de abertura de créditos suplementares de forma discricionária, inclusive mediante a caracterização de crime de responsabilidade.
A partir desta compreensão, resta identificar se, no caso concreto, a Presidente da República efetivamente realizou ato que atente contra a lei orçamentária, caracterizando o crime de responsabilidade. A esse respeito, existem fatos incontestes na denúncia apresentada, quais sejam, a edição de decretos sem número abrindo créditos suplementares. O ponto central, portanto, é identificar se tais decretos estavam em desacordo com a lei orçamentária.
A Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2015 (Lei nº 13.115/2015), em seu art. 4º, autoriza a abertura de créditos suplementares desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário. A meta de resultado primário, por sua vez, foi estabelecida no art. 2º da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015 (Lei nº 13.080/2015).
Sobre a compatibilidade com a obtenção da meta de resultado primário, a LRF dispõe, em seu art. 9º, que o não cumprimento das metas importa na obrigação de promover limitação de empenho e movimentação financeira. É nesse sentido o art. 52 da LDO/2015, que informa que a limitação de empenho e movimentação financeira deve ser apurada e informada pelo Poder Executivo a cada órgão orçamentário. Essa limitação deve ser promovida de forma proporcional a participação de cada um no conjunto das dotações iniciais (§1º).
O Ministério do Planejamento divulgou nota (ver aqui) argumentando que o cumprimento da meta de resultado primário é matéria afeita à gestão fiscal, especialmente tratada nos chamados decretos de contingenciamento, e não tem relação com a abertura de créditos suplementares, afeita à gestão orçamentária, que, por si só, não é capaz de autorizar a ampliação das despesas.
É possível argumentar ainda que o §13º do art. 52 da LDO/2015 ratifica o argumento apresentado pelo Ministério do Planejamento, ao dispor que a execução das despesas decorrente da abertura de créditos suplementares fica condicionada aos limites de empenho e movimentação financeira estabelecidos nos termos deste artigo 52. Assim, para haver execução de despesas decorrentes de créditos suplementares, seria necessária a abertura desses mesmos créditos em momento anterior.
A meu ver, contudo, admitir a separação hermética entre gestão fiscal e gestão orçamentária significa despir de qualquer valor semântico o art. 4º da Lei Orçamentária, uma vez que a abertura de quaisquer créditos seria sempre compatível com a obtenção de resultado primário, dado que qualquer valor previsto no orçamento depende da disponibilidade de limites para a sua realização. No mesmo sentido, admitir a abertura de créditos como simples remanejamento de recursos para melhoria da gestão parece incompatível com a regra, de status constitucional, que veda a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa.
Isto posto, me parece clara a existência de suporte técnico-jurídico a justificar o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade, sendo certo que o seu desenrolar e desfecho trata-se de matéria essencialmente política, conforme já comentado em postagem anterior (ver aqui).